18 de julho de 2008

No Expresso das Nove de hoje. Açores 2028

A maioria das pessoas circula no comboio eléctrico de superfície que liga as capitais do Norte e do Sul às Capelas e Lagoa. Fico ainda mais satisfeito. É a eficiência energética a funcionar. Hoje, a maioria dos carros são eléctricos, tenho alguma dificuldade em explicar ao meu filho mais novo, que fez vinte e dois anos no outro dia, que em tempos gastávamos uma boa parte do orçamento familiar em gasolina e gasóleo, delapidando um recurso escasso e caro e poluindo o ar. Absurdos que eles não entendem, um dia ainda vão dizer que não foi verdade. Também é difícil explicar que até aos finais do século XX vivemos da economia da vaca. Olhando os milheirais espigados neste Julho quente, é difícil acreditar que, em tempos não muito remotos, importámos milho para fazer alimentos compostos e concentrados, para dar de comer intensivamente às vacas e exportarmos leite e lacticínios de baixo valor acrescentado. Felizmente, houve uma crise que nos obrigou a mudar de atitude. Caso contrário, seguiríamos elaborando em cima do mesmo erro ad eterno.

Hoje, é com tristeza que vejo um sector do turismo a continuar a investir e a desenvolver-se sem estratégia definida. Continua a ser caro viajar de e para os Açores e a quimera da nossa gente continua a centrar-se no que vem de fora em vez de olhar para o que se pode fazer cá dentro. Seguimos exportando capital e mão-de-obra. Terceira, Santa Maria, Faial e S. Miguel estão cheias de golfistas, que se movimentam entre os buracos 1 e 18 de um qualquer campo e acabam num resort que dá emprego a umas dúzias de empregadas de limpeza, mesa e bar. Deixámos de ser pobres agricultores remediados para sermos pobres e servis empregados de hotelaria com conta ordenado a vencer ainda antes do dia do pagamento. Ganham os bancos. Sempre os bancos.

Vá lá que as reservas da bioesfera das Flores, Corvo e Graciosa se mantiveram preservadas dessa "diarreia construcionista" rumo ao turismo massificado. São autênticos oásis verdes de cheiros mesclados entre as amoras silvestres, a uva-da-serra e o cedro do mato. São oásis nesse deserto de betão e vias rápidas largando calor e cheiro a alcatrão derretido. S. Jorge e Pico ficaram ali entaladas num triângulo que se voltou de costas em lugar de se juntar. Sempre ouvi o meu avô dizer que o Pico era a ilha do futuro. Que futuro? Durante séculos o presente não teve futuro numa ilha onde nem as vacas querem viver, porque o Inverno é áspero e o Verão rigoroso. Ouço estórias de velhos caçadores de atuns, como ouvi há mais de trinta anos verdades fantasiadas e realidades distorcidas sobre a saga dos caçadores de baleias. Sabes, os políticos continuam iguais a si mesmos, iguais a um Povo atemorizado por medos atávicos e pela fome. Esta aguça o engenho, mas, aqui, há muitos anos que não há fome porque o Povo vive de esmolas chamadas favores políticos e subsídios da segurança social.

Nunca perco a esperança de mudar as coisas mas os 62 anos já me pesam bastante e ainda vou ter que trabalhar aqui até ao fim dos meus dias, que já não tenho idade para emigrar.

Há lá mais textos de outros bloggers a não perder. Futurologia não é bem o meu forte. Daí, esta crónica é mais um pensamento desejado do que um exercicio de futurologia por um lado e por outro um temor pelos resultados da aposta no turismo desenfreado.

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