26 de abril de 2017

25 de Abril de 2017.


Diário dos Açores - 43 anos depois do 25 de Abril, como estamos nos Açores em matéria de liberdade, democracia e fortalecimento da sociedade civil?


Nuno Barata - Mais de quarenta anos depois os desígnios e os apetites do Povo português não são, compreensivelmente, os mesmos que eram na reta final do Estado Novo. Nessa altura, 25 de Abril de 1974, conquistamos o que se pretendia, o fim de um regime totalitário estabelecido depois da grande crise da década de 20 do século passado e conquistamos ainda o fim da chamada Guerra Colonial e consequente desmantelamento do que restava do Império Ultramarino. Portugal tornou-se então, formalmente, numa democracia do tipo ocidental, na pártica Abril está por cumprir.

 Nas ciências sociais não há laboratórios onde possamos testar hipóteses, apenas a história nos serve de esteio para as mais vastas e dispares teorias sociais. Hoje, falar de liberdade de expressão como há 40 anos não faz sentido. Hoje falar de liberdade de associação como há quarenta anos, também não faz sentido. No entanto, hoje podemos afirmar, com toda a certeza, que em termos de liberdades individuais Abril está por cumprir. Mesmo se nos determos sobre as liberdades coletivas facilmente elencamos uma dúzia de situações em que falar de liberdade não passará de um mero eufemismo.


A construção do Estado Moderno é só por si um travão nas liberdades individuais, quanto mais estado menos individuo, Se atentarmos a esse domínio, hoje as liberdades são menos do que há 20, 30, 40, e 60 anos. Os apetites legislativos, reguladores e regulamentadores dos agentes do Estado são de tal ordem que chegaram ao ridículo de regulamentar o tamanho mínimo para comercialização das cenouras. Sem que a polis se aperceba de que se encontra espartilhada entre a autoridade do estado e a liberdade individual, aquele vai entrando na esfera deste outro de tal forma que o cidadão perde a sua mais preciosa condição, a de ser livre.

Os contratualistas de XVII e XVIII, principalmente Rousseau, entendiam que a cedência de liberdades individuais para uma entidade superior não podia ser considerada perca de liberdade para a autoridade por se tratar de uma cedência individual para um todo, “ dando-se a todos, não se dá a ninguém”. Obviamente esse compromisso entre a liberdade e a autoridade, onde ceder e onde exercer livremente a sua cidadania, em XVIII era bem diferente do que é hoje como hoje não é comparável a 1974. No entanto, uma coisa parece-me clara, somos todos cada vez menos livres porque todos cedemos todos os dias liberdades individuais para esse tal todo que é ninguém. Nesse campo, põe-se ao filósofo um dilema cada vez maior. O individuo cede voluntariamente os seus apetites éticos ao Estado ou é este último que aos poucos vai subtraindo ao individuo as suas pequenas liberdades? A resposta à próxima pergunta esclarece este dilema.


Diário dos Açores - Os órgãos políticos representativos dos açorianos têm estado a altura? Os inúmeros casos de crispação no parlamento regional são um mau exemplo?

Nuno Barata - A resposta a estas duas perguntas do Diário dos Açores, esclarece parte da pergunta final deixada na resposta anterior que carece de uma análise muito mais profunda do que este pequeno exercício técnico-jornalístico. Na verdade, mais importante do que saber se o Estado deve ou não continuar a construir um edifício legislativo arvorado em Procurador-Geral do bem comum é saber se os agentes desse mesmo Estado são os adequados, dotados das necessárias competências técnicas, conhecedores da realidade da polis e revestidos de uma áurea ética irrepreensível. Nesse aspeto, quer na Região quer no Pais em geral os agentes políticos não têm estado ao nível que seria de esperar. Os mais recentes acontecimentos envolvendo políticos de carreira, banqueiros de renome, empresários de sucesso e até membros do chamado poder judicial, demonstram à saciedade o quanto falhou a classe politica e consequentemente o Estado na proteção do bem comum, das esperanças dos cidadãos seus pares e na projeção de um futuro melhor para os filhos da nação.

Na Região, onde apesar de tudo em termos de corrupção, nepotismo e plutocracia as coisas têm corrido bem melhor do que no restante território nacional, há por aqui e por ali casos que maculam sem remissão a imagem de quem nos governa. Uns por ação, outros por omissão e outros ainda por ignorância, ressalvando raríssimas e muito honrosas exceções, quase todos saem “com a fralda suja”. No entanto, digamos que a gente está satisfeita pois continua escolhendo os mesmos. Recorrendo de novo a Roussesau, cada um sabe o que deve buscar para que fique satisfeito e em Democracia os eleitos não são mais nem menos do que o espelho de um povo, o que não nos deixa grandes margens para nos animarmos e acreditarmos que isto um dia pode melhorar.

Numa Região com níveis de desemprego assustadores, sem perspetiva de crescimento da economia que permita ao sector privado criar postos de trabalho e com percentagens elevadas de gente em idade laboral empregue em programas de ocupação temporária dependentes de departamentos estatais/regionais e como tal totalmente dependentes de decisões deste ou daquele agente do estado/região, é difícil acreditar que não exista uma espécie de autocensura que priva o ser humano da sua liberdade de escolha por decisão própria mas, obviamente,  por influência externa e medos atávicos.

Os casos recentes de alguma crispação na sociedade civil em especial no meio parlamentar, vem confirmar  o que há muito se vem receando, estamos a assistir a uma “ditadura da mediocridade” e a uma sociedade politica com dois estratos, os que atingem o seu objetivo (eleição e perpetuação no nível de rendimento que a eleição garante) por via da retórica fundamentada  no politicamente correto e uma outra fação que, pelo contrário, prefere o discurso do politicamente incorreto, duas práticas diferentes um mesmo objetivo. Isso não augura nada de bom para a nossa sociedade.

A política é uma atividade demasiado nobre para ser desenvolvida por gente sem fundamentos éticos e que assenta a sua atividade apenas com os olhos postos em eleições por forma a perpetuar os seus níveis de rendimento pessoal (salvo honrosas e muito poucas exceções). Tal como comecei a minha primeira resposta a este inquérito, a história é o único laboratório das Ciências Humanas e ensina-nos, assim de um jeito muito ligeiro, que na origem de todas os tipos de totalitarismo estão os populismos, as crises financeiras e económicas (fome), a plutocracia, o nepotismo e a corrupção.
O próprio Estado, tal como hoje conhecemos, primeiro grande atropelo às liberdades individuais, nasceu conceptualmente no seio de guerras e da miséria decorrente dos conflitos sociais e bélicos.

Para a economia e para as finanças existe uma conta de deve e haver por onde se medem os sucessos e os insucessos, para a liberdade não existe esse instrumento de medida e como tal cabe a cada um medir o nível que quer atingir dessa mesma liberdade individual.



Sem comentários:

Arquivo do blogue