8 de junho de 2017

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DIZ HÉLDER MENDES, VIGÁRIO GERAL DA DIOCESE DE ANGRA, SOBRE AS FESTAS PROMOVIDAS POR AUTARQUIAS, GOVERNO E OUTROS

Apropriação do Espírito Santo
é "um pouco herética"


O Espírito Santo tem uma dimensão "vistosa" que é apelativa, diz Hélder Mendes. O vigário geral da Diocese diz que não compete às autarquias e ao Governo organizar coroações e dar esmolas. 
A apropriação do Espírito Santo por parte de Câmaras Municipais, Juntas de Freguesia, entidades governamentais ou coletividades é "um pouco herética", diz Hélder Mendes. Em entrevista à Antena 1/Açores, o vigário geral da Diocese de Angra defende que a organização de coroações e a distribuição de esmolas por parte dessas entidades é apenas aparência e, portanto, vazia de substância.
"Quando os estatutos das irmandades dizem que a finalidade é prestar culto à terceira pessoa da Santíssima Trindade e a prática da caridade, em princípio este é o espírito de um sujeito individual que é religioso ou de uma irmandade constituída por sujeitos que também são religiosos e que têm esse fim: louvar o Espírito Santo e praticar obras de caridade. A uma pessoa coletiva não religiosa ou um sujeito coletivo não religioso falta-lhe esta dimensão", avançou.
O responsável diocesano, que falava no programa Grande Entrevista, emitido ontem na rádio pública regional, entende, por isso mesmo, que as entidades em causa devem abster-se dessas práticas.
"Não me parece que faça sentido - quer dizer, pode fazer sentido do ponto de vista político, mas tendo em conta a conversa que estamos a ter, da aparência ou da vista, parece-me que essas entidades não o deveriam promover e desligar a atitude de um sujeito religioso que verdadeiramente fez aquela promessa ou tem aquela intenção, abstendo-se de toda essa parte - que é o motor - e ficar só com a aparência para que os outros vejam. Não compete às autarquias estarem a fazer esmolas, mesmo que digam que as esmolas não são de orçamentos públicos - pois então que sejam feitas através de irmandades. Não têm de ser as autarquias a gerir pensões, a gerir esmolas, a fazer coroações quando isso compete a sujeitos religiosos ou a entidades coletivas com uma finalidade religiosa", disse.
Segundo Hélder Mendes, esta "utilização" do Espírito Santo não só retira à festa a sua motivação - ligada, conforme referiu, ao culto da terceira pessoa da Santíssima Trindade e à caridade -, como também dificulta o trabalho da Igreja, isto é, o trabalho de evangelização.
"Hoje praticamente todos os párocos da Diocese acompanham as famílias nas suas casas, nos impérios e nas igrejas. Agora, uma Câmara? Como é que se vai evangelizar uma Câmara a convidar meninas, bandeiras, rainhas e filarmónicas?", questionou.
Ainda assim, referiu o vigário geral da Diocese de Angra, a situação em causa não deixa de criar um dilema às paróquias. É que ainda que não tenham motivações religiosas, as festas não deixam de lado essa dimensão. As coroações, por exemplo, mesmo as que são organizadas por autarquias, passam pela Igreja.
"A Câmara de Angra, por exemplo, durante uns anos suspendeu a coroação do Espírito Santo e penso que com muito mérito. (...) A festa do Espírito Santo foi até ao 11 de junho e depois a 24 de junho há o São João que não é Espírito Santo e, portanto, não têm de chamar turistas para fazer o Espírito Santo, nem convidar irmandades pela ilha para virem a Angra - estou a dizer Angra, mas Ponta Delgada está da mesma maneira - ou crianças e impérios para vir fazer uma coroação à cidade. Mas fazer o quê se já fizeram há quinze dias nos seus impérios? É uma representação vazia e essas representações vazias não têm de ser alimentadas", sustentou.
TURISTAS NOS BODOSEm entrevista à Antena 1/Açores, Hélder Mendes referiu-se, ainda, a um fenómeno que diz ser recente, mas que começa a espalhar-se pela Região. Trata-se, avançou, da organização de festas do Espírito Santo só para os turistas verem.
Segundo o vigário geral da Diocese de Angra, essa prática constitui mais uma "montagem fictícia".
"Mas mesmo assim, entre duas possibilidades, eu escolheria essa, a do turista ir ver o bodo do domingo de Pentecostes ou da Santíssima Trindade, do que a de andar durante o verão a fazer montagens para que as autarquias ou as comissões de festas estejam a montar cenários que não são verdadeiros. Deixa até numa atitude de incómodo a própria Igreja", considerou.
Nessa linha, aliás, o responsável alertou para o perigo de caracterizar a festa do Espírito Santo apenas como sendo "uma questão meramente cultural".
"É verdade que é cultura e ainda bem que assim é, mas a sua raiz e a sua motivação são outras, são mais profundas, e quando se tira essa motivação espiritual para aparência só de vista, estamos a esvaziar a verdadeira razão ou a essência do Espírito Santo e a ficar só com a casca. Para essa entidade que promove saiu a atividade muito bem, mas de facto não é um bom serviço ao Espírito Santo ou à motivação da festa. Não passa pela cabeça de ninguém uma autarquia fazer uma procissão do Senhor Santo Cristo com andor igual àquele, que é muito bonito", atentou.
Sopas são para
quem precisa
FUNÇÕES DE STATUS SOCIALOra, segundo Hélder Mendes, também as famílias correm o risco de esvaziar o Espírito Santo de sentido. Em causa, considerou, estão as funções por convite - e que deixam de lado a oferenda de sopas e pão a quem mais necessita.
"Haver os convidados, por um lado, é necessário: é bonito convidar as pessoas para haver um certo controlo da dimensão da refeição. Mas de facto, tem esse perigo de se convidar aquele que me pode convidar e esse que convida alguém para a coroação já fica, de alguma maneira, com um ponto ou com um crédito para ser convidado quando, de facto, o que o evangelho diz a esse propósito é que quando fizeres um ato destes convida aquele que não te pode pagar", afirmou.
Para o vigário geral da Diocese de Angra, aliás, utilizar o Espírito Santo para promoção social é um "desastre".
"Se a pessoa convida como sendo uma festa privada, às vezes para honra do próprio imperador ou imperatriz, para que aquela família seja socialmente destacada, de facto é de pôr em questão. É um desastre, é quase invocar o nome de Deus em vão. De facto, pode haver essa tentação de uma promoção social em nome do Espírito Santo", avançou.
Ainda assim, Hélder Mendes mantém-se positivo quanto a essas práticas e diz que o que continua a ver-se são "as sopas para todos".
Para além disso, referiu, o Espírito Santo mantém a essência da caridade e da partilha sem vaidade.
"Os verdadeiros atos mais discretos do Espírito Santo não aparecem, porque são tão localizados e são tantos em simultâneo que é impossível dar conta da riqueza do que se passa. O que se nota, o que é público, são os grandes espetáculos de aparências, que são mediatizados - já se convocam os meios de comunicação social para que estejam ali. O mais genuíno e verdadeiro não é isto. O que se passa nas casas das pessoas, nas construções dos altares, não é disto; o que se passa nos impérios durante a oração não é disto; as esmolas que se dão na rua sem ser aos irmãos também não são disto. Há irmandades que vivem simplesmente disto", sublinhou.

IGREJA VAI EMITIR DOCUMENTOS SOBRE O ESPÍRITO SANTO
Evangelizar a festa
A Diocese de Angra está a preparar documentos sobre o Espírito Santo. O que se pretende, avançou Hélder Mendes à Antena 1/Açores, é avançar com uma maior evangelização da religiosidade popular. E evangelizar, adiantou o vigário geral, não é disciplinar.
Em causa está documentação - que deverá estar pronta no prazo de um ano - sobre a fé, sobre as celebrações e sobre a caridade.
"A Igreja não é o único interveniente, nem é dona do Espírito Santo - não há donos do Espírito Santo. Agora, entende que há uma dimensão que tem a ver com a fé cristã, porque se é o mistério da Santíssima Trindade, se a Igreja vive da fé e da comunhão no Pai, no Filho e no Espírito, se o evangelho está sempre a remeter-nos para o Espírito Santo que é o espírito de Cristo, a sua memória, a Igreja tem todas as fontes para ir acompanhando a presença e a ação do Espírito Santo - nas pessoas, na alma das pessoas, na vida da comunidade, na vida da Igreja, na vida do mundo. É isso que procura fazer, porque não há propriamente uma entidade reguladora ou uma entidade fiscalizadora", disse.
No programa Grande Entrevista, Hélder Mendes chamou, ainda, a atenção para o perigo de regionalizar a festa.
"Os Açores quase se apropriaram do Espírito Santo. Ora, o Espírito Santo é o espírito de Deus, é universal e está em todas as partes do mundo. Se nos Açores permanece com esse enquadramento, então temos de zelar é pela sua integridade e não pela sua apropriação. Ninguém se deve apropriar do Espírito Santo, nem a Região, nem sequer a Igreja", afirmou.

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